Poder público e empresas se mobilizam para se adequar à metodologia BIM
Há não mais que 40 anos, os projetos de engenharia eram feitos de uma forma que poderia muito bem, em relação aos dias de hoje, ser definida como artesanal. Com nanquim e régua, os projetos eram desenhados em papel. A primeira evolução se deu em 1982, quando a empresa americana de software Autodesk lançou o Autocad, um programa de computador que levou o nanquim e a régua para dentro da máquina.
Com isso, os projetos de engenharia passaram a ser elaborados eletronicamente. Foi uma mudança tão radical na forma de se projetar que acreditava-se que o Autocad seguiria como a ferramenta padrão nessa área ainda por um bom tempo.
Porém, isso não aconteceu. De forma contínua a partir do final dos anos 90, um novo instrumento para a criação e a gestão de projetos de engenharia veio se firmando como padrão. É a metodologia BIM, uma sigla de origem inglesa (Building Information Modeling), que pode ser traduzida como Modelagem de Informações da Construção. A nova técnica permite que em uma única tela se tenha o projeto e, ao mesmo tempo, toda a sua execução em várias etapas.
O BIM trabalha com a criação de modelos em 3D que permitem não apenas a visualização de uma maquete digital da obra, mas também a inclusão de informações detalhadas sobre o empreendimento, sua estrutura e seus objetos. Um exemplo: a disposição do layout de uma cozinha pode ser complementada com informações sobre a rede hidráulica, bem como a quantidade de insumos e de mão de obra que serão exigidos na sua execução. Além disso, tais detalhes podem ser inseridos por todos os profissionais envolvidos na obra, o que aumenta as chances de a representação digital ser fiel ao que está sendo projetado e executado no canteiro de obras.
Porém, o BIM não é um software em si. Ele é a plataforma sobre a qual os fabricantes de software de engenharia desenvolvem seus programas. A própria Autodesk, fabricante do pioneiro Autocad, tem vários softwares que utilizam o BIM. Por ser uma tecnologia altamente inovadora, o BIM caminha para se tornar o padrão sobre o qual todos os softwares de engenharia serão criados.
Governo federal – Sinais muito claros nesse sentido já foram emitidos. Em 22 de abril do ano passado, o governo federal editou o Decreto 10.306, que contém as regras para a implantação do BIM em todos os órgãos e entidades da administração pública federal que, direta ou indiretamente, executam obras e serviços de engenharia. O decreto determina que essa implementação ocorrerá de forma gradual. Na primeira fase, que iniciou-se em janeiro último, o BIM deverá ser utilizado no desenvolvimento de projetos estruturais, hidráulicos, elétricos e em instalações de aquecimento, ventilação e ar condicionado e instalações elétricas, entre outras aplicações.
A segunda fase começa daqui a três anos, em janeiro de 2024, e incluirá as etapas de orçamento, planejamento e execução das obras. A terceira e última fase, prevista para ser executada a partir de janeiro de 2028, contempla, além de tudo o que está listado nas duas anteriores, o gerenciamento e a manutenção, após a sua construção, dos empreendimentos cujos projetos de arquitetura e engenharia, bem como a execução tenham sido em BIM.
O cerco a projetos de engenharia que não utilizam o BIM está se dando também por meio da Lei de Licitações. No projeto de lei aprovado em dezembro último pelo Senado como substitutivo à Lei 8666 – a Lei das Licitações – a recomendação expressa nesse sentido está contida no parágrafo terceiro do artigo 19. O dispositivo recomenda que, preferencialmente, seja adotada o BIM na licitação de obras e serviços de engenharia e arquitetura em todo o País.
Governo de Minas – O governo de Minas fez o mesmo que o governo federal. No último dia 3 de março, publicou um decreto que fixa os prazos e cria o comitê gestor que será responsável pela implantação do BIM no âmbito do Estado. De acordo com o decreto, a implantação se dará em três etapas, sendo a primeira fase ainda em 2021. As demais serão em 2024 e 2028.
O Comitê Gestor da Estratégia BIM será composto por um representante titular e um suplente da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), que exercerá a presidência; da Secretaria de Educação (SEE), da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp); da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), da Secretaria de Saúde (SES) e do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG).
O decreto lista os benefícios que serão alcançados pelo uso do BIM: celeridade e efetividade nos processos de concepção, contratação, elaboração, execução, fiscalização e manutenção de projetos e obras públicas; redução do número de aditivos de prazo e de valor em contratações de serviços e obras de engenharia; elevação do nível de exigência nos processos licitatórios; redução dos impactos ambientais por meio da redução de resíduos da construção civil; e redução dos gastos públicos com a operação e a manutenção dos empreendimentos públicos, entre outros. A estes benefícios, a superintendente de Obras Públicas da Seinfra, Débora Dias do Carmo, acrescenta a possibilidade de resolução automatizada de conflitos entre as diversas áreas envolvidas com a execução de determinado projeto de engenharia. (Conteúdo produzido pela SME)
SME prepara modelo de capacitação inovador
Atenta a essa nova tendência, a SME está preparando uma capacitação inovadora em Gestão de Edificações e Obras que, além da Metodologia BIM, incluirá formação em inteligência artificial e computação intensiva de dados. O treinamento será oferecido pela plataforma de conteúdo E2D 500&Coursera, com base em conteúdo desenvolvido pelas universidades Columbia e Stanford, dos Estados Unidos, e por empresas como a IBM. A organização contará com professores brasileiros responsáveis pela curadoria do conteúdo e que estarão disponíveis para apoiar na mentoria e tutoria aos participantes. O curso será on-line.
O engenheiro Sérgio Leão, vice-presidente da SME, considera a formação profissional continuada de grande relevância para o desenvolvimento dos engenheiros e da engenharia. Nesse contexto, a SME tem, segundo ele, um papel complementar ao das instituições de ensino e formação profissional, na medida em que também pode e deve contribuir para o desenvolvimento profissional dos engenheiros.
Nesse cenário, a entidade identificou, segundo Sérgio Leão, a necessidade de apoiar o desenvolvimento de competências para o mundo da indústria 4.0, no qual estão inseridos a computação intensiva de dados, a inteligência artificial e a internet das coisas. “Somadas, elas abrem um novo potencial de ganhos expressivos em qualidade dos serviços, em produtividade, inovação e em oportunidades profissionais”, ressaltou o coordenador do projeto de formação profissional da SME.
Empresas de engenharia já estão se movimentando
A implantação do BIM exige investimentos na aquisição dos softwares e também no treinamento dos funcionários que irão operá-los. Por isso, sua implantação começou, principalmente, pelas grandes empresas de engenharia. Na mineira Andrade Gutierrez, essa implantação se dá por etapas.
De acordo com a Assessoria de Comunicação da empresa, nos três primeiros anos (2018/2020), o objetivo foi agregar maturidade e solidez ao processo. No próximo triênio (2021/2023), a meta é dar amplitude a esse processo, de tal forma que o BIM esteja presente em todas as novas obras e promova a padronização dos procedimentos e a estabilização de uma nova camada digital na gestão das informações por toda a empresa.
De acordo com a empresa, entre as vantagens dos projetos em BIM estão a significativa redução de tempo nas etapas de levantamento dos quantitativos dos projetos e a melhoria da qualidade visual do planejamento, que tem permitido agregar valor às tomadas de decisão e gestão de forma mais ágil e confiável.
Na MRV Engenharia, o BIM começou a ser implantado há sete anos e hoje, segundo Raphael Paiva, diretor de Inovação da MRV, é um divisor de águas na história da companhia do ponto de vista de sua transformação digital. Hoje, segundo ele, o BIM está presente em todas as etapas da produção, desde o projeto até o pós-obra, tendo servido para impulsionar, também, a adoção de outras tecnologias emergentes, como a Realidade Ampliada e a Realidade Virtual.
Entre os ganhos alcançados com o BIM, ele cita a eficiência na comunicação, assertividade e otimização na definição do custo do empreendimento, concepção de projeto mais inteligente, melhoria da qualidade da informação e eficiência na redução de prazos. “De forma geral, o BIM nos permitiu trabalhar de forma mais integrada, automatizada e em uma plataforma única, além de facilitar a implantação e uso de várias outras tecnologias”, reforçou Raphael Paiva.
Uso rotineiro – Porém, não são só as grandes empresas que estão se adequando a essa nova realidade. Há empresas de engenharia de menor porte que também se moveram. Uma delas é a DMC Construção e Consultoria, cuja primeira utilização do BIM ocorreu em 2015, na construção de um prédio em Belo Horizonte e hoje já utiliza a metodologia rotineiramente em seus empreendimentos.
O engenheiro Lucas Bicalho enumera, entre as vantagens do BIM, a possibilidade de eliminação de conflitos e, consequentemente, de retrabalhos; o aumento da integração entre as equipes de projeto e de execução, que está no canteiro da obra; além da agilização do processo de compras, possibilitada pela automatização da quantificação dos insumos que serão necessários à obra.
“O consumidor não compra retrabalho ou possíveis erros de quantificação”, afirma Lucas Bicalho que, como exemplo de economia, afirma que uma possível incompatibilidade entre o projeto estrutural e o projeto hidráulico poderá resultar na necessidade de se fazer furos nas vigas. Em um prédio de 12 andares, fazer esses furos significaria, segundo ele, uma despesa não prevista no orçamento de R$ 40 mil, que é paga pelo futuro comprador, sem que ele saiba.
O engenheiro Lucas Andrade Batista, presidente da Câmara BIM em Minas, afirma que as empresas de engenharia podem ser divididas em três grupos. No primeiro grupo, o das pioneiras, estão, principalmente, as grandes empresas, que iniciaram a implantação do BIM há cerca dez anos; no segundo grupo estão aquelas que entraram nesse processo há dois anos, após o primeiro decreto do governo federal que movimentou muito o mercado. No terceiro grupo estão as empresas que ainda não deram nenhum passo no sentido de migrarem para o BIM.
Ele afirma ter o sentimento de que o grupo mais numeroso é o intermediário e, para os que ainda não se movimentaram em direção à nova tecnologia, aconselha que o façam, porque trata-se de uma tecnologia que veio para ficar. “O fato é que empresas estão se movimentando e estão cada vez mais atentas e percebendo que, se não entrarem, em breve vão sair do mercado”, afirma o presidente em Minas da Câmara BIM, uma associação que se dedica à difusão do BIM e que tem, apenas em Minas, cerca de 60 associados.
As empresas de construção pesada também estão se movimentando para adotar o BIM. “Estamos acompanhando de perto”, afirma Emir Cadar, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Minas Gerais (Sicepot). Ele afirma que o Sicepot já fez vários eventos com o objetivo de difundir a nova metodologia entre as empresas associadas ao sindicato. Cadar, entretanto, afirma que em uma obra de infraestrutura, como uma estrada, o uso do BIM é mais complexo do que em um prédio. Porém, admite que se trata de um caminho sem volta na engenharia. “É uma inovação que veio para ficar”, afirma o presidente do Sicepot.